Emoções: vilãs ou heroínas?


Por Marcos Bulcao

Todos nós, no calor das emoções, já fizemos ou dissemos coisas de que depois nos arrependemos. Aposto que você mesmo, ao ler isso, buscou na memória uma dessas situações. Uma briga com a esposa ou marido. A reação desproporcional a uma pequena travessura de seu filho. Aquele irresistível chocolate, apesar da dieta. O cigarro que você tanto deseja abandonar.

São muitos os pensamentos que cercam esses momentos, mas todos têm algo em comum.

Nós nos sentimos impotentes, sem controle das próprias decisões: “foi mais forte do que eu”; “não consegui evitar/resistir”.

Nós nos sentimos confusos, perplexos até: “como posso agir contra meu próprio interesse?”; ou pior: “por que repito os mesmos erros?”

Ah, as emoções! Não fossem elas, eu seria plenamente racional, nada me impediria de atingir todo meu potencial.

Faz sentido que pensemos assim. Apesar dos avanços científicos, ainda crescemos na tradição aristotélico-cristã de que os seres humanos são os únicos animais racionais, únicos capazes de planejamento e deliberação conscientes. Os demais animais, coitados, movidos apenas por instintos e emoções, seriam incapazes de escapar da rede determinística de estímulos e respostas.

Nessa tradição milenar, a oposição é clara: se a razão nos concede o livre-arbítrio, as emoções dele nos podem privar. Aqui também, não resta dúvida, as emoções seriam inimigas da razão. A solução? Controlar, se possível eliminar as emoções de todo processo decisório.

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Recentes avanços em neurociência felizmente nos permitiram quebrar esse equivocado paradigma. Antonio Damasio e seu brilhante “O Erro de Descartes” tiveram nisso destacado papel. Ali, Damasio nos descreve o caso de Phineas Gage, o “homem sem emoções”.

Gage sofreu um acidente no qual uma barra de metal atravessou sua cabeça. Múltiplas cirurgias salvaram sua vida, mas não sem sequelas. Suas capacidades cognitivas – linguagem, raciocínio lógico – pareciam intactas, mas logo se notou que Gage perdera a capacidade de responder emocionalmente aos eventos em sua vida.

Contrariamente ao mito, porém, Gage não se tornou mais racional ou eficiente. Incapaz agora de atribuir valor emocional ao que lhe acontecia, indiferente ao resultado de suas ações, tornou-se também incapaz de planejar e se comprometer. O homem sem emoções tornou-se um homem sem objetivos, revelando o papel crucial das emoções em TODO processo decisório.

Duas outras equivalências podem ser estabelecidas a partir dessa incrível descoberta.

  1. Onde há uma emoção, há um objetivo; e vice-versa.
  2. Objetivos conflitantes implicam emoções conflitantes; e vice-versa.

Trata-se de um insight valioso. Agora, quando observarmos uma emoção interferir em algum plano ou decisão, podemos imediatamente perguntar: que OUTRO objetivo, que outra necessidade essa emoção está tentando satisfazer ou proteger?

Quando fumamos, apesar das recomendações médicas, que objetivo/necessidade(s) o cigarro está satisfazendo?

Quando perdemos a calma em casa, após um dia estressante no trabalho, quem é o real alvo dessa energia represada?

O que antes víamos como um conflito entre razão e emoção pode agora ser visto pelo que realmente é: um conflito de interesses dentro de nós mesmos.

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O mito ruiu. Razão e emoção não se opõem. Elas simplesmente desempenham diferentes papéis na nossa economia psíquica.

Emoções vêm primeiro, no sentido de que é a partir delas que atribuímos valor às nossas experiências e que, portanto, estabelecemos o que queremos repetir ou evitar.

Razão vem em segundo, com a missão de criar planos e estratégias visando maximizar nossas chances de sucesso.

Sem emoções, não temos metas. E sem metas, de que serve nossa tão aclamada racionalidade?

No final, percebemos que a verdadeira batalha nunca foi entre razão e emoção.

A verdadeira batalha é entre diferentes quereres.

Quando o querer é “claro e distinto”, a razão encontra facilmente a via mais direta e eficaz. Mas e quando o querer é múltiplo ou confuso, como decidir a melhor rota ou método?

Essa é, no fim, a grande pergunta, o grande dilema de todo ser racional.

Nosso maior desafio não é controlar nossas emoções (afinal, cada uma delas representa um querer).

O maior desafio é descobrir a força relativa dessas diferentes emoções desses diferentes quereres – para que aí então, e somente então, sejamos capazes de realizar antes o que é prioritário, deixando o secundário para um outro dia. E não vice-versa.

Mas isso é tópico para um outro artigo!

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